sexta-feira, 29 de maio de 2015

O Caos como irmão da Ordem




Em qualquer dicionário ocidental que você vá consultar o verbete caos, será apresentado o mesmo como um conceito sinônimo de desordem. Alguns poucos vão te dar uma concepção de um "vazio moldável" de onde diversos Deuses de diversas religiões vão começar a criação, mas sempre tendo esse enfoque na questão da confusão. Bom, na verdade o caos tem diversas conotações dentro dos contextos das antigas civilizações e fora reduzido graças a grande influência do cristianismo. O que esse texto vai dar é a minha versão favorita do Caos.
Viajamos para o extremo oriente e remontamos a história do Kojiki para explicar essa versão: Izanagi e Izanami criam a partir da fonte inesgotável chamada "O caos" o mundo que conhecemos e com ele, seus filhos divinos. De todas as criações de Izanagi, duas delas são as personagens principais para o entendimento desse texto: Amaterasu e Suzanoo. A primeira é a deusa do sol e da ordem, o segundo, deus dos mares e do caos. Suzanoo após derrotar Yamata no Orochi casa-se com uma humana e com ela tem seus filhos, a raça humana. Mas a raça humana era desordenada, tinha o conceito de sociedade, mas não sabia por isso em prática. Pelas discordâncias, matavam-se. Percebendo que o povo sabia como agir, apenas não conseguia exteriorizar sua vontade de ser um povo só, Amaterasu, a ordem, manda seu herdeiro direto para governar o povo, o próprio Imperador.
A história mitológica do surgimento do povo japonês é interessante para analisarmos a questão da ordem e do caos de um ponto de vista bem diferente do senso comum: A ordem  como uma ferramenta do Caos. É possível perceber aqui que o Caos é simplesmente a criação em seu estágio primário, seu conceito, sua ideia... Enquanto a Ordem é a ferramenta que põe de fato essa ideia em prática. Entender esses dois conceitos como complementares e jamais opostos é o primeiro ponto para pararmos de entender um suposto Demiurgo como um limitador, para de entender a ordem em si como um limitador.
Aplicando esse conceito ao nosso dia a dia, seria como dizer que o Caos é o pós inspiração. Você tem a inspiração para fazer algo, mas raramente vai fazê-lo imediatamente. Primeiro você idealiza aquilo de alguma forma na sua cabeça, cria um conceito. A forma com que você vai exteriorizar esse conceito é a Ordem. É a força modeladora que dá ao ser humano o poder de tirar de dentro da sua essência caótica, de sua vontade, uma expressão física de algo intangível. Você pode expressar um sentimento por exemplo na forma de um desenho, de palavras, de música... As possibilidades são ilimitadas. Essas possibilidades amarradas (música, desenho, palavras, dança...) são o corpo da sua ideia.
Voltando ao Japão, o conceito de Caos também vem junto com a questão da purificação. Ora pois, enquanto sua inspiração está no plano das ideias, ela não teve contato com o mundo humano. Não teve contato com a sua auto-crítica que vai alterá-la até torná-la perfeita, ou mesmo com a crítica alheia. Dentro da mente, o pensamento é puro e perfeito, mas não possui relevância no nosso mundo. Isso por outro lado não significa que o tangível tenha que ser algo visível! Uma forma intangível, porém que afete o espaço físico também pode ser considerada uma forma de expressão... Uma forma de ordem.
O ato de comungar com os Deuses é intangível. O sentir dessa força divina é intangível, porém tão real quando o vento que nos toca a pele e os cabelos. Isso também é a ordem. Ela é toda a forma que usamos para exprimir algo de uma outra dimensão para a nossa. Como um lápis cujo grafite transporta uma coisa de um lugar para o outro de forma com que ela fique visível para todos.
Em resumo: O caos não é a desordem. Ele é força motriz da criação divina E humana. E a Ordem não é sua inimiga, nem sua limitadora. É a forma com que você trás coisas de planos subjetivos para o plano físico, como um grande quebra-cabeças que ao ser montado, cria uma imagem. Nós não viemos simplesmente do Caos, nós SOMOS o Caos expressos em matéria, a representação máxima da Ordem.   

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